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sábado, 13 de maio de 2006

Trabalho há muito, empregos nem tanto ...

Leia que não dá trabalho!

Há quem diga ou, pelo menos, quem justifique a nossa falta de produtividade como sendo um resquício da escravatura. Parece que se trata de um legado de um passado muito doloroso. Daí a nossa "antipatia" pelo trabalho. Daí, também, que aceitemos mais facilmente a palavra emprego.
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Há quem diga que só há uma região no país onde o trabalho tem valor positivo: o Minho. Aí, é entendido que o trabalho dignifica o homem. No restante território, o trabalho é entendido como algo que só faz quem não sabe fazer mais nada ou que o trabalho é para o preto.
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E há quem diga que (e isto são constatações sociológicas) que o sul, católico, se caracteriza por ser dependente, enquanto que os países do norte da europa, protestantes, são autónomos e criativos. Diz-se, também, que o sul abraçou fascismos e partidos comunistas fortes, ao passo que a norte, o capitalismo permitiu uma relação diferente com o valor do trabalho.
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Obviamente que todos estes factores estão aqui apresentados de forma ligeira, abreviada. Mas não deixa de ser interessante pensar que com Lutero (reforma protestante) houve a necessidade de cada um, individualmente, ser capaz de ler a Bíblia para poder interpretá-la sozinho.
Assim, esses países tiveram "campanhas de alfabetização" no séc. XVI, enquanto que as nossas começaram há 30 anos! E tudo porque os protestantes entendem que a relação com Deus é individual e não precisa de intermediário. Já os católicos precisam da figura do padre para que lhes explique o que está escrito nos textos sagrados.
E foi talvez desta diferença que parece pequenina, (ser capaz de ler a Bíblia sozinho e precisar do padre para a entender) que se evoluiu de forma dependente(católica) e de forma autónoma(protestante). É claro que isto não explica tudo. Mas se calhar não conseguimos explicar a aversão ao trabalho sem entendermos o que está na sua génese.
Querem comentar?”

Texto de Al na'ir

11 comentários:

  1. provavelmente talisca said...

    Cara Al Na'ir:

    Acho que tocou onde dói na ferida.

    Alguém me explicou, há muito tempo a etimologia de Trabalho e Lavor. Nós usamos trabalho, os países germanicos usam "labour".

    Trabalho vem do Latim "tripaliu": aparelho de três paus para sujeitar os cavalos que não se deixam ferrar. Mais tarde foi o nome dado ao chicote de tr~es pontas com que se incentivava os escravos. Além disso também significa fadiga; cuidado; aflição; preocupação. Terá esta origem alguma coisa a ver com o que sentimos em relação à palavra?

    Labour (lavor) vem do Latim labore, trabalho manual ou intelectual; labor; obra de agulha feita por desenho; lavrado; ornato em relevo; fruto de arte pessoal; rendimento.

    A culpa permanente da nossa herança judaico-cristã, a necessidade de depender de terceiros mais certos e poderosos, a necessidade de confissão a deus através de representantes castradores e castigadores, torna a nossa arte uma obrigação e a justa recompensa para ela quase um favor que nos fazem. Por isso não amamos o nosso trabalho. Por isso preferimos dizer que gostamos do nosso emprego. Por isso nos aconselham quando vamos a uma entrevista de emprego a dizer submissos: Eu quero trabalhar e não eu quero um emprego onde possa mostrar a arte que tenho. Por isso ouvimos coisas como: Que sorte, tem um emprego estável e entrou para os quadros. Mesmo quando somos bons naquilo que fazemos, achamos que é um favor darem-nos emprego.

    Porque é que não somos produtivos?

    Acho que primeiro é porque a maior parte dos portugueses não ama aquilo que faz. Mesmo as gerações novas, que podem ter qualificações, entram nas faculdades porque aquele canudo tem saída ou porque é a média possível, preparando um caminho de frustração futura. Quem não tem brio no que faz não o pode fazer bem.
    Depois temos na verdade muita gente em lugares de chefia que não estão muito preocupados com o futuro nem são muito competentes. Querem tirar o máximo no mínimo tempo possível, sem nenhum tipo de preocupação com o seu meio social, com os outros, com o ambiente e com o futuro.

    15/5/06 5:34 PM
    (comentário editado/post 1º Maio)
    tokyo

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  2. Olá Talisca :))

    Sei que não deveria estar a dialogar, mas parece que há consenso em relação a tudo quanto já foi dito neste post. Pelo menos a avaliar pelo reduzido nº de coments.
    Pela minha parte, continuo com dúvidas e a fazer perguntas :))

    Gostaria de lembrar que a tradição judaica-cristã tanto nos influência a nós como a qualquer cidadão de um país nórdico. Acontece que por lá, não se põe o problema da produtividade.

    Atendendo ao cristianismo protestante, verificamos que a "esmola" é algo que não faz sentido para aquelas pessoas. O que faz parte daquela cultura,o que lhes faz sentido, é dar a quem precisa, oportunidade de trabalho porque é isso que dignifica a pessoa. Claramente que se faz o apelo da autonomia. Ao invés, nós cultivamos a dependência.
    É deplorável a situação em que vejo certas pessoas: à espera que a Câmara ou a Sta. Casa lhes arranje emprego!!! ou outra entidade qualquer que acham que têm obrigações para com eles! No fundo, adoptam a atitude de quem espera "esmola". Faz-me impressão não só a atitude de dependência como a de paternalismo (de quem entende que tem nas suas mãos o poder de distribuir a "esmola"). O proteccionismo insane a que chegámos, e esta atitude do "deixa estar que nós pensamos por ti", aflige-me.

    Por outro lado, confesso que sonho com o dia em que me posso reformar! :) não para não fazer nada, mas para poder fazer coisas diferentes. Coisas que me agradam e que ainda não tive oportunidade de experimentar. Não posso pensar que só o poderei fazer daqui a taaantos anos!

    Enquanto que uns não encontram nada para fazer, a mim faltam-me horas no dia para realizar o que gosto.
    E muitas vezes penso que o Professor Agostinho da Silva tinha toda a razão: "O Homem não foi feito para trabalhar, foi feito para criar"!
    16/5/06 11:26 PM
    (comentário editado/texto 1º maio)
    tokyo

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  3. @Al na’ir

    Havia a promessa de regressar à antena e comentar o seu texto mas não resisti à tentação de o publicar. Estão garantidos os direitos de autor! Ahahah.

    Confesso que foi a melhor solução que encontrei. Quando lhe tentei “agarrar” percebi que não dava conta do recado.
    Está de tal forma espesso, sumarento e bem “armadilhado” em cada linha, que dá pano para mangas.

    Concordará portanto na ideia de o tornar matéria de debate neste fórum, sabendo nós do alto calibre de alguns dos habituais comentadores de serviço!
    Eu, para ajudar à festa... juntei um título para animar...

    (nota: este seu texto estava em forma de rascunho desde 13 de maio, daí a data da publicação)

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  4. Caro Tokyo:

    Tem arte como editor. Parabéns. O texto da Al Na'ir merecia o destaque.

    Cara Al Na'ir:

    A verdade é que nós fomos amaldiçoados durante muito mais tempo com a mesquinhez católica do que os países do norte. A reforma protestante salvaguardou-os dos "pecados" católicos que nos mantiveram e mantêm agrilhoados a certas coisas.

    Produzir e ganhar o seu justo dinheiro não é pecado para eles. Nós ainda vivemos, mesmo que seja apenas no subconsciente, com o "mais depressa passará um camelo pelo buraco de uma agulha do que um rico entrará no reino dos céus".

    Na nossa posição subalterna, herança católica, ouvimos mesmo dizer a gente por quem temos consideração, que a directiva de não ler jornais, lançada pelo papa, "até faz sentido", ou, "na perspectiva de que nos jornais também há coisas erradas ele até tem alguma razão". É de loucos. Mas o estranho é que estas pessoas não são loucas. São boas pessoas, integradas, trabalhadoras. O que é que os faz dizer tamanha barbaridade? Centenas de anos de "tripaliu", penso eu.

    A igreja católica floresce no estrume. E a miséria é o estrume da igreja católica. Os jornais pertencem a uma era em que se lutou contra a miséria. Logo a igreja católica quer destruir os jornais.

    E estará esta gente esquecida, que aqui, mesmo aqui, houve jornais que lutaram todos os dias contra a censura? Que o diário de notícias deixava caixas em branco, apenas com as palavras "Diário de Notícias", para que as pessoas soubessem que havia ali um artigo que tinha sido censurado?

    E agora aceitam de novo a censura? Vinda de um homem que pertenceu à juventude hitleriana?

    "Isso foi há muito tempo! Ele era muito jovem..."

    E não é nessa altura que se forma o carácter de uma pessoa? Não é altura de começarem a fazer buuu! em relação ao seu líder espiritual, da mesma forma que o fazem em relação aos seus líderes políticos?

    Nota: Esta crítica não pretende de forma alguma atingir a fé católica e pessoal de cada um. É uma crítica à instituição, à igreja católica como instituição política, económica e social.

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  5. Quero desde logo agradecer o destaque e quero dizer, também, que não o mereço. Apenas me limitei a veicular meia dúzia de preocupações minhas e a transmiti-las a quem sei ser capaz de as agarrar e "trabalhar".

    Queria dizer, também, que nada tenho contra o Vaticano, o Papa, os Padres, os fiéis, ou quem quer que seja! Que isto fique bem claro porque sentir-me-ia muito mal se fosse entendida como fomentadora de uma discussão de má memória, semelhante à que aqui já aconteceu.

    Quis, apenas, e porque nunca, (sublinho nunca) poderemos esquecer a nossa costela judaico-cristã, ver o problema de uma outra perspectiva e procurar entender as razões da nossa "má vontade" com o trabalho.
    A religião é um mero contributo a esta discussão. Terá o seu peso. Não é indiferente que, perante a mesma Bíblia, católicos e protestantes tenham percursos diferentes. Também não estou a fazer a defesa do capitalismo, entenda-se.

    Por último, e desviando um pouco a análise do problema da religião, também considero que há um outro factor que poderá ser relevante. O facto de estar tão enraizado na nossa cultura a necessidade de ter casa própria. Com o 25 de Abril, surgiu esta necessidade (entendida como um direito que temos) que acabou com o mercado de arrendamento e prendeu, amarrou as pessoas aos sítios. Quem quer uma casa, dificilmente terá dinheiro para pagar uma segunda se tiver que ir trabalhar para fora.Por isso não vai.

    Será que também isto limita a nossa criatividade? Será que somos "fazedores de dependências"? E porque o faremos?

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  6. Só para informar que mesmo sem autorização da autora republiquei o texto, que considero de grande qualidade no Blog Anima-Eseb que criei com colegas da Escola Superior de Educação de Beja - Curso de Animadores Sociculturais. Aqui fica o agradecimento à Al,nair.

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  7. Ah cara Al Na'Ir:

    Mas nós somos criativos. Somos um povo que esbanja criatividade. Nem podia deixar de ser porque temos as ferramentas do fado e da saudade a trabalharem dentro de nós. Somos criativos visceralmente.

    "Somos uma nação de poetas e pecadores." Somos uma nação com a doença do Fernando Pessoa. Não coabitamos bem é com a criatividade. E somo medrosos. E muito dependentes. A casa é um factor, mas não é o único.

    As nossas mães superprotegem-nos. Tenho amigos e amigas, homens e mulheres feitos e feitas que ainda ligam aos pais a dizer que chegaram bem, que ainda vão buscar a roupinha passada e o almoçinho a casa da mãe. Que têm mais de trinta anos e os pais ainda lhes pagam as prestações da casa e do carro. Parece normal porque faz parte da norma portuguesa, mas será?

    A família é uma coisa maravilhosa e importante. E os laços familiares são uma bênção, mas como dizia o poeta libanês, os filhos são setas e os pais são arcos que se devem retesar para enviar a seta o mais longe possível no futuro. Os portugueses têm medo do futuro e querem as setas perto deles para as protegerem o melhor possível.

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  8. Carlos Viegas: não é para agradecer, até me sinto envergonhada!

    Talisca: Nem imagina a importância da frase "as nossas mães superprotegem-nos". Aqui está mais um "problema" que temos em portugal. Em meu entender vivemos numa sociedade de fortes características matriarcais. As mulheres "prendem" os filhos em casa até não puderem mais. E não só gerem o orçamento familiar como são elas que autorizam os maridos a gastar parte desse orçamento. E eles dizem que elas mandam em casa e que a "patroa" é que sabe. E é verdade. E em meu entender também mandam no resto. E talvez seja isso que tenha também contribuido para a originalidade do nosso sistema de parentesco. Que também é único. Temos padrinhos para tudo, chamamos primos até "n" grau de parentesco e dilatamos os laços de afinidade. Criativos? não! somos dependentes! Criamos laços, redes de dependência talvez para melhor sobrevivermos.

    E porque somos os mesmos 10 milhões de portugueses há uma data de anos, e por isso somos praticamente primos uns dos outros, é muito difícil romper o esquema da corrupção. Parece que este é outro factor que leva à baixa de produtividade.

    Há uns anos um estudo sobre jovens europeus mostrava que, de uma maneira geral, todos tinham a ambição de sairem de casa dos pais, tornarem-se autónomos, trabalharem para não dependerem de ninguém, viajar, conhecer o mundo. Sabem qual foi a ambição dos jovens portugueses? casar e ter filhos! Querem maior dependência?

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  9. Cara Al Na'ir:

    Existe a teoria que diz que como fomos um povo de viajantes, colonizadores e imigrantes, os melhores foram embora, ficaram os que não tinham iniciativa, nem coragem, nem ideias.

    Por alguma razão os retornados, quando chegaram das colónias ficaram chocados com o atraso de Portugal. E entrava muito dinheiro vindo das colónias.

    Não pode ter sido apenas a ditadura.

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  10. Será que os que foram o fizeram com planeamento, com racionalidade? Não terão "embarcado" porque não tinham mais que fazer?
    Quem por cá ficou foi menos corajoso?

    Talisca, se calhar até está explicado...somos ilustres descendentes dos não tiveram ideias, nem coragem nem iniciativa. Eu sou. Hoje sinto-me exactamente assim. Há dias terríveis...

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  11. Cara Al Na'ir:

    Ninguém que goste da sua terra se vai embora de uma forma fria. Vai porque não encontra saídas. Mas também vai porque tem em si coragem. Outros seguem quem desbrava o caminho, já com a cama feita e comida no prato. Mas os que saltam para o desconhecido são gente especial. Andámos a esbanjar essa gente no mundo, não foi?

    Somando ao resto, à nossa herança, compreende-se muita coisa. E além disso, a inquisição e o salazarismo parece que partiram a coluna aos portugueses. Não somos frontais, segredamos pelas costas...

    Mas não são só coisas más. Também somos generosos muitas vezes. Somos universalistas. Conseguimos comunicar e ter empatia com todas as gentes da terra. E porque não falar das coisas boas de ser português?

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