Vamos falar de


quinta-feira, 20 de outubro de 2022

EXPRESSO - Opinião - Regenerar o montado, a última fronteira ao processo de desertificação

 


Se já passou no Alentejo, conhece o montado? E sabe que o montado está todos os anos a perder área? Perde por morte das árvores sem que haja renovo. A nova Política Agrícola Comum em Portugal inclui uma medida piloto totalmente nova, de pagamento por resultados ambientais, que condiciona a gestão do montado à lógica de uma maior sustentabilidade

Pela primeira vez em Portugal, vão entrar em vigor pagamentos agro-ambientais por resultados, para o Montado. A novidade está não só nestes incentivos dirigidos exclusivamente para o Montado, como também em serem incentivos que são pagos em resposta a resultados ambientais. Nos incentivos agro-ambientais tradicionais o pagamento é feito pela adopção de práticas de gestão, que se pressupõe melhorarem a condição ambiental. Em diversas áreas de política pública, a Comissão Europeia procura actualmente mudar de paradigma, para incentivos atribuídos por resultados, em que o contribuinte europeu pode ter a certeza de qual o resultado que se obteve com o dinheiro público gasto.

As explorações de Montado situadas nas regiões do projeto piloto “Gestão do Montado por Resultados”, em Monfurado e em Mértola, podem optar por um modelo inovador de incentivos associado a resultados ambientais. Estes resultados são medidos anualmente, e ao longo dos cinco anos que dura o contrato, através de indicadores pré-definidos. Ou seja, o dinheiro paga resultados ambientais concretos, obtidos de facto.

O Montado é a paisagem de manchas de sobreiros ou azinheiras dispersos em áreas de pastagem onde pastam vacas ou ovelhas, ou mesmo porcos pretos. É um sistema agro-silvo pastoril que combina o coberto florestal com pastagens extensivas em sob-coberto. Pela diversidade de elementos de flora e fauna que inclui é um hotspot de biodiversidade. É um sistema produtivo desenvolvido ao longo de séculos no Sul da Península Ibérica, que aproveita da melhor forma os recursos escassos de solo e água, e suporta a variabilidade anual e interanual do clima. Pela sua resiliência e capacidade de resistir às alterações climática, o Montado é considerado como a última grande barreira ao avanço da desertificação, que todos tememos.

No entanto, apesar das suas múltiplas qualidades, o Montado está em declínio. Todos os anos desaparecem perto de 5000 hectares de Montado, dos cerca de 1 Milhão que temos em Portugal. Esta perda de área deve-se principalmente às árvores que morrem sem regeneração e à degradação dos solos.

As orientações da Comissão Europeia apontam para uma Política Agrícola Comum- PAC marcadamente mais verde, com uma ambição climática e ambiental mais forte. São nove os grandes objetivos da PAC pós 2023, que incluem a segurança alimentar, a competitividade do sector, o rendimento justo aos produtores, mas também: Acção Climática, Cuidado com o Ambiente, Preservação da Paisagem e da Biodiversidade, Comunidades Rurais Dinâmicas. Além disto, aquelas orientações vão no sentido de uma CAP mais flexível e mais baseada em resultados, em que deve ser reconhecido o papel chave dos produtores agrícolas e florestais, que devem ser recompensados se forem além do obrigatório, em termos ambientais.

Esta é uma janela de oportunidade para uma, há muito necessária, inovação no desenho dos apoios ambientais da PAC em Portugal.

A medida agro-ambiental por resultados integrada no Plano Estratégico da PAC para Portugal, tem quatro objetivos: 1. Melhoria da regeneração natural das árvores e assim aumento do renovo florestal; 2. Melhoria das condições do solo e regeneração da sua capacidade produtiva; 3. Melhoria da composição das pastagens com características biodiversas mediterrânicas; 4. Diversificação e qualificação de elementos singulares da paisagem, como galerias ripícolas, bosquetes de Quercineas e/ou Pinus, manchas de matos, charcos temporários mediterrânicos e charcas permanentes. Ao prosseguir estes resultados, que configuram melhorias ambientais que a sociedade valoriza, o produtor está ao mesmo tempo a melhorar a condição do seu Montado nas suas várias vertentes e consequentemente a melhorar a sua produtividade a longo prazo.

Outros estados membros da União Europeia, mais ambiciosos na agenda ambiental ligada à agricultura, têm a totalidade ou uma parte muito mais importante das suas medidas agroambientais a funcionar por resultados. Este projecto piloto é um começo em Portugal, dirigido a um sistema produtivo, com importância marcadamente nacional e internacional - o Montado - numa região que sente já, de forma clara, os efeitos das alterações climáticas em curso. Depois de uma avaliação do sucesso desta nova medida, podemos esperar que medidas destas se venham a expandir por muito mais áreas e sistemas produtivos, em Portugal. A sociedade e a Comissão Europeia vão seguramente pressionar-nos nesse sentido.

Teresa Pinto-Correia, Maria Helena Guimarães e Isabel Ferraz de Oliveira são do MED-Universidade de Évora, Maria de Belém Freitas do MED-Universidade do Algarve e João Madeira da Cooperativa Agrícola do Guadiana

In Jornal EXPRESSO~Clique aqui para aceder á noticia no Jornal online

Sem comentários:

Enviar um comentário

Se quer comentar inscreva-se no Blog

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.