Aos sete anos já viajava, sozinho, ia ao encontro dos meus pais.
O meu cunhado levava-me à carreira que seguia pachorrenta pela estrada da
serra até Vila Real e assim começava uma viagem de dois dias, até à quinta
aonde viviam os meus pais, em Algoz. Chegado a Vila Real, o revisor a quem ia
encomendado, depositava-me na estação ferroviária aonde o comboio me levava até
à Conceição, aí vivia o meu avô, velho e adorável, curvadíssimo, dobrava-se
sobre mim e abria-se num sorriso do tamanho do céu, não havia coisa melhor para
ele do que a chegada dos netos. Já a minha tia Escolástica não encontrava na
minha chegada o mesmo prazer, muito hirta e austera, era difícil brindar-me com
um sorriso, nunca me tendo tratado mal também nunca me tratou especialmente
bem, era seguramente um estorvo vir receber-me à estação. Depois dos mimos do
meu avô, esperava-me a cama, cedo, era uma cama fofinha, um colchão de lã e não
de palha centeia aonde me aconchegava como num ninho de passarinhos.
No dia seguinte havia mais umas primas para visitar antes do almoço, após o
qual me despedia e apanhava o comboio para Tunes, tinha os olhos colados na
janela a ver passar os campos, os figueirais, os pomares ou as palhas secas, só
um pavor me não largava, perder o bilhete, que esvoaçasse ou caísse e lhe
perdesse o sentido, ia muito agarrado a ele para que não faltasse aquando das
múltiplas aparições dos revisores. À minha espera na estação estava o meu pai
na carroça, o caminho para a quinta ainda tinha demora por entre azinhagas de
muros caiados, amendoais e o constante trinado das cigarras.
Na quinta havia de tudo e aos pares. Eram duas casas iguais, uma para o
feitor que era o meu pai, outra para o tractorista. Havia dois pocilgos, duas
capoeiras, duas arramadas para as vacas, duas hortas.
Nessa idade da vida o tempo passava devagarinho e saboreava-se como se
saboreiam os frutos maduros e cheios de sumo, havia um tanque que servia para
regar e para eu me banhar nas tardes de férias, no verão, enquanto ouvia a
música das cigarras ou o motor de rega a tirar água pela tardinha. E havia
comida, muita comida.
A minha mãe fazia pão todas as semanas e três tipos de pão diferentes,
fazia o branco que era fino e se comia ao domingo, o de rolão que, mais pardo,
era o de todos os dias e o de farelos para dar aos cães, também todos os dias o
comiam de mistura com umas sopas onde cozia uns ossos. E tínhamos bom tomate e
bom pimentão, o meu pai apurava as sementes do melhor que colhia na horta,
secavam numa meia de senhora e depois eram embrulhadas em papel de jornal até à
próxima sementeira do criadouro. Havia queijos e à chaminé muitos paios
pendurados, tantos, assim como os presuntos, que seria possível durante meses
comer do que lá houvesse guardado na quinta.
Na maior parte do tempo eu não ia lá, era a minha irmã e o meu cunhado quem
me criavam e então, todos as semanas vinha cá parar à vila através da carreira,
uma enorme canastra enviada da quinta pelos meus pais com tudo quanto fazia
falta à minha criação, batatas, tomate, queijos, os presuntos, as laranjas de
umbigo, os pêssegos maracotões, o pão branco e de rolão.
Pedro Faria Bravo 19 de Abril de 2020
Nota; O Pedro Faria Bravo é um contador de histórias soberbo. Atinge um patamar que me deixa inveja, mesmo quando reconta as histórias de outros, em especial quando conta as histórias que eu lhe contei. Irei continuar a partilhar aqui convosco algumas delas, e recomendo que o acompanhem, sempre que possível AQUI.
Carlos Viegas
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