Crónica Cidadania Activa 28
Água, oferta e procura
O tema da água esteve, na passada semana, mais uma vez, em foco no baixo Alentejo e noAlgarve, quer devido à prolongada e severa seca que continua a fazer-se sentir, quer pelaapresentação pública do Plano de Acção da Intervenção Territorial Integrada Água eEcossistemas e da aprovação em Conselho de Ministros do Plano de Eficiência Hídrica doAlentejo. Também em Mértola, o tema foi objecto de reflexão e debate no âmbito de maisuma sessão do projecto Life Desert Adapt, promovida pela Associação de Defesa do Património.
Duas abordagens distintas/opostas assentes em dois modelos de desenvolvimento diferentesse contrapõem e confrontam: a que tem como principal objectivo responder à crescente edesenfreada procura de mais água para uma agricultura financeira de regadios intensivos,ambientalmente insustentável, e a que tem como prioridade a sustentabilidade ambiental,social e económica dos territórios e a sua adaptação às alterações climáticas, intervindopreferencialmente no lado da racionalização da oferta e da utilização deste escasso recurso.
A ITI Água, começada a ser desenhada, nas múltiplas dimensões da sustentabilidade doterritório marginalizado da fronteira do Baixo Alentejo com a Serra Algarvia, na altura em queestive na CCDRAlentejo, irá criar uma oportunidade única de responder ao recorrente desafiode responder de forma inovadora à escassez de recursos hídricos e, simultaneamente, deincrementar, dinamizar e apoiar projectos de valorização e desenvolvimento assentes nosrecursos naturais, na biodiversidade, na bioeconomia e na economia circular.
O Life Desert Adapt também se foca sobretudo na implementação de soluções práticas esustentáveis para os graves problemas hídricos dos vastos e esquecidos territórios dosequeiro, de modo a garantir a sua sobrevivência e adaptação às severas condições climáticas. Já o Plano de Eficiência, embora inclua algumas medidas positivas que visam aquele objectivo,através da redução das perdas brutais nos sistemas de regadio público intensivo, foca-sesobretudo nas intervenções para aumentar as disponibilidades hídricas para as captações, paraalimentar uma agricultura intensiva de lucro fácil e rápido, promovida por fundos financeiros nada preocupados com os territórios que exploram até à exaustão.
Causam-me especial preocupação os projectos (alguns já em fase de projecto de execução)que irão contribuir para “secar”, “salinizar” e artificializar ainda mais o rio Guadiana, atravésdo represamento da água das ribeiras afluentes e da tomada de água no Pomarão para reforçodo abastecimento ao Algarve para regar culturas permanentes de elevado consumo, como é ocaso dos abacates. Situação que se irá agravar drasticamente com as exigências de contrapartidas que do lado espanhol já surgiram.
Continuar a apostar em responder às crescentes e infindáveis exigências por parte de umaprocura irracional e insustentável é caminharmos para um suicídio ambiental no curto prazo eeconómico no médio prazo.
Crónica Cidadania Activa 29
De Boca em Boca!
Esta semana tive a oportunidade
de assistir e participar na sessão “Eu não sei se sei contar…” do projecto de
Boca em Boca, da Rita Sales e do Pedro Bravo, que se realizou no Centro
Histórico de Mértola, frente à Igreja Matriz/antiga Mesquita.
Parabéns à Rita, ao Pedro e a
todos os que conceberam e realizaram este maravilhoso, entusiasmante e
envolvente espectáculo!
Este projecto cultural é exemplar
a todos os níveis: uma investigação, estudo e conhecimento real do território,
das suas comunidades e do seu riquíssimo património, nomeadamente oral, serve
de base a um conjunto de sessões, descentralizadas em aldeias e montes, que,
por um lado, recuperam o imaginário ancestral dos seus habitantes e, por outro,
constroem com os participantes nos espectáculos narrativas que recordam e
valorizam um mundo rural quase extinto. É um exercício de recuperação de memória
colectiva muito participativo, partilhado, envolvente e extremamente emotivo.
Distingue-se, também, porque
agrega e integra outros grupos e áreas culturais, como o teatro e a música,
conseguindo, assim, dinamizar ainda mais a actividade cultural no seio da comunidade.
Finalmente, conseguem, nos espectáculos, imprimir um ritmo e
um ambiente de alegria que contagia todos os que assistem e os envolve como
actores e figurantes.
A encenação é muito cuidada e original, embora simples,
criando, com facilidade, o cenário apropriado, evocativo das épocas em que
decorrem as histórias.
Mértola já precisava de um
projecto cultural como este, tendo em consideração o rico património cultural
imaterial em risco de desaparecer e a necessidade de realizar iniciativas e
actividades que, estando a ajustadas à realidade local e aos gostos das
comunidades, sejam capazes de envolver as populações e chamá-las à
participação.
Obrigado! Continuem a
presentear-nos com estes excelentes e inspiradores momentos culturais e de
cidadania activa.
Crónica Cidadania Activa 30
O Estado da Nação
É inegável, os números comprovam-no, que no imediato a economia do país está melhor crescem as exportações, o desemprego diminui, as receitas fiscais aumentam, os lucros da banca, das grandes empresas de distribuição e de energia, entre outras, aumentam extraordinariamente. No entanto, os juros altos, e ainda a crescer, e a inflacção a manter-se, mpedem que as classes média e baixa, com salários e poder de compra reduzidos e com encargos mensais e impostos elevados, possam beneficiar da melhoria das condições da economia.
Tendo-se iniciado o principal período de férias dos portugueses, os sinais do agravamento da situação económica das famílias, estão á vista, por exemplo, na diminuição significativa de turistas nacionais em destinos turísticos como Mértola e de veraneantes nas praias do Algarve e nos respectivos restaurantes, bem como nos consumos aí realizados.
Por outro lado, as carências de mão de obra, sem que haja uma política pública de captação e integração de imigrantes, está a começar a pôr em causa muitos dos investimentos previstos e a atrasar significativamente a concretização de muitos outros.
Se a economia do país está melhor, mas as pessoas não o sentem no bolso, já os serviços públicos, no geral, estão muito piores e os cidadãos sentem-no, todo os dias, na sua vida e na sua carteira, apesar de pagarem impostos altíssimos.
No sector da Saúde, faltam médicos de família, as urgências estão no limiar da ruptura, as listas de espera para consultas e cirurgias não há meio de reduzirem, os centros de saúde não dão as respostas que os utentes precisam, concluindo, estamos pior e temos que pagar mais para ter acesso aos serviços mínimos. Cada vez mais portugueses, os que podem, desistem do SNS e recorrem aos privados
Na Justiça, estamos sujeitos a um sistema desigual para ricos e pobres, lento, ineficaz e ineficiente, enfim, todo o contrário dos atributos que a definem.
As carências de Habitação aumentaram e acumularam-se durante os últimos governos e ainda se vão agravar mais (nomeadamente por causa do aumento dos juros do crédito à habitação) e são muitas as dúvidas que se levantam quanto aos resultados, que só surgirão no médio/longo prazo, do programa recentemente lançado pelo governo.
A política da Educação está reduzida ao braço de ferro entre o governo e os trabalhadores da escola pública, com os prejuízos daí decorrentes para as nossas crianças e jovens e para o seu futuro. Entretanto, um estudo recente, vem demonstrar quão injusto e desigual é o sistema de ensino em termos territoriais e socio-económicos, favorecendo claramente os que dispõem de maior rendimento e residem nos maiores centros urbanos e dificultando, por falta de oportunidades, a utilização deste elevador social aos que habitam as regiões periféricas e rurais.
Apesar de ter sido criado um ministério da Coesão e se ter dado início a um processo centralista de regionalização, os territórios de baixa densidade continuam a sua trajectória de acentuada e preocupante perda de população e envelhecimento, bem como extinção ou redução de serviços de interesse geral, isolamento e abandono.
A área do Ambiente desapareceu do mapa político e do radar da comunicação social, porque todas as estratégias anteriormente aprovadas para este sector não avançam para a concretização de projectos, medidas e acções, falhando, assim, todas as metas definidas nacional e internacionalmente, só havendo conhecimento de decisões irresponsáveis no que respeita à eliminação de condicionantes e restrições ambientais nos processos de licenciamento., dando claramente prioridade à economia em detrimento da sustentabilidade.
O sector da energia é um bom(mau) exemplo do que se passa genericamente na Administração Pública: serviços com enormes carências de recursos humanos, envelhecidos, com burocracias processuais inúteis, sem meios de intervenção, descoordenados, desorganizados, ineficazmente informatizados - apenas substituíram (ou acrescentaram) o papel pelo (ao) computador -, incapazes de concretizar as políticas públicas. Vejam-se os já incontáveis pedidos de constituição de Comunidades de Energia Renovável (uma prioridade da política energética nacional e comunitária) que jazem no site da DGEG, sem qualquer andamento há meses.
Bem pode o primeiro ministro dizer que aos portugueses o que os preocupa é o dinheiro no bolso e não a governação ou as reformas estruturais e as politicas públicas, porque, de facto, quando o dinheiro não chega até ao fim do mês, é óbvio que tem que ser esse o principal foco do cidadão, mas nem por isso se evita que se instale na população o descontentamento e a revolta, à medida que o nosso dia a dia é cada vez mais dificultado e stressado pelo mau funcionamento das instituições e do país.
Jorge Pulido Valente
Nota: Motivos de saude e pessoais impediram-me de publicar estas 3 cronicas no devido tempo. As minhas desculpas
Carlos Viegas