Lei já obrigou quase 220 autarcas a abandonar o poder. Sucessão é preparada com candidatos fortes. A mudança é a grande oportunidade para a oposição. Partidos reeleitos têm menos votos e a abstenção aumenta. Em 2025, 60% dos presidentes de câmara vão ser obrigados a sair.
"Aqui [nas
autarquias onde a lei impede a continuação do presidente de câmara] fazem-se as
maiores maiores apostas, candidatos fortes para que não se perca a autarquia.
São sempre considerados concelhos em risco. Se não o fizermos caímos na lógica
das mudanças e isso pode afastar o partido, num cenário de derrota, da
liderança de uma câmara por quatro, oito ou mesmo 12 anos", afirma o
secretário-geral do PSD.
A explicação do
social-democrata José Silvano encontra respaldo no estudo mais recente sobre os
últimos ciclos eleitorais autárquicos, em particular o que foi 'afetado' pela
introdução da lei de limitação de mandatos.
Em 2013, dos 160
municípios cujos autarcas "foram impedidos de procurar a reeleição no
cargo", pela imposição da lei de limitação de mandatos, em "107
verificou-se a continuidade" do partido político com "54,2% dos
presidentes a serem eleitos pelo PCP, BE e PS". Em 53 autarquias
manteve-se a "dinâmica bipartidária" entre "os dois partidos com
maior expressão eleitoral (PS e PSD)".
Nesse ano, apenas 33,4% dos presidentes de câmara conseguiu a
reeleição.
Há um traço comum identificado nestes municípios. "66% da
população caracterizava-se demograficamente pelo envelhecimento populacional,
nos restantes, situados no litoral e cuja população é essencialmente jovem e
adulta, sublinha-se uma forte ligação ao partido político pelo que os seus
eleitores votam, maioritariamente, no partido, independentemente do candidato
que é apresentado".
Em 2017, a lei de limitação de mandatos autárquicos, que apenas abrange
o presidente da câmara, travou 41 recandidaturas, mais de 63% no Norte e Centro
do país. A imposição legal "provocou mudanças" em 17 autarquias: sete
do PSD, cinco do PS, quatro do PCP e uma com liderança de independentes.
Nas restantes,
naquelas em que se registou a "continuidade do poder estabelecido",
houve uma quebra generalizada - menos votos - no apoio ao partido vencedor.
"Quanto mais
densos os municípios se apresentam (nomeadamente os localizados no litoral de
Portugal e os que se caracterizam por serem áreas urbanizadas) menor será a
probabilidade de reeleição dos seus incumbentes locais. Contrariamente, os
municípios com reduzida densidade populacional (nomeadamente, os localizados no
interior do país e que se caracterizam por serem áreas rurais) tendem a optar
pela continuidade do incumbente [presidente de câmara]", refere o estudo.
Em 2017, segundo a
tese de Mariana Bravo Madeira, Mestre em Administração e Gestão Pública,
orientada por Teresa Ruel, atualmente professora de Ciência Política no
ISCSP-UL, "os resultados das eleições traduzem que os eleitores utilizaram
a sua perceção da performance económica na responsabilização dos incumbentes
[presidentes de câmara]. Mas, não é efeito de ciclo eleitoral imediato, isto é,
verifica-se um gap eleitoral de um ciclo político [período da troika] na
avaliação económica por parte dos eleitores portugueses em eleições
autárquicas".
Outro sinal de
alerta nos partidos, a perda de câmaras com a saída do presidente por limitação
de mandato cresceu de 2013 (33%) para 2017 (41%). A alteração "do jogo
político" já deixa antever cuidados redobrados nas autárquicas de 2025.
"Dos 233 presidentes de câmara reeleitos em 2017, 145 deles (62,7%),
cumpriram no presente ciclo político (2018-2021) o segundo mandato
autárquico". Em 2025, estarão de saída.
Agora em 2021, há
18 câmaras socialistas nesse "patamar de risco" (Castelo de Paiva,
Aljustrel, Mértola, Odemira,
Barcelos, Miranda do Corvo, Góis, Oliveira do Hospital, Penacova, Reguengos de
Monsaraz, Viana do Alentejo, Seia, Alcanena, Viana do Castelo, Mesão frio,
Moimenta da Beira, Santa Cruz da Graciosa e Lajes do Pico - eram 34, mas apenas
18 autarcas estão em exercício de funções); 13 do PSD (Espinho, Celorico de Basto,
Vila Verde, Sertã, Pampilhosa da Serra, Monchique, Sabugal, Vila Nova de Foz
Côa, Alcobaça, Arronches, Ferreira do Zêzere, Penedono e Vila do Porto) ; três
do PCP (Mora, Alpiarça e Setúbal); e uma do CDS (Ponte de Lima).
O secretário-geral
do PSD explica que nestes casos "fazemos estudos de opinião, recolhe-se
informação das estruturas locais, concelhias e distritais, para preparar a
substituição do presidente que sai".
"Normalmente,
estas questões começam a ser analisadas um ou dois anos antes, mas é aqui que
surgem os conflitos internos, as divisões. Quase sempre os conflitos com a
direção nacional encontram-se aqui, neste momento. As estruturas locais
contestam, dizem que "não acreditam nas sondagens, que estão mal feitas,
que eles no terreno é que sabem, que há um candidato da terra melhor
colocado", revela.
José Silvano diz
encarar estas questões com normalidade por "perceber que há aqui também
uma perda do poder local instalado, muito importante para quem lá está e não
quer que haja mudanças".
Há também um
"traço conservador, masculino, um traço inicial do partido, uma tradição
que demora a mudar, que faz com que, por exemplo, seja mais fácil ao PS, que
começou mais cedo esse caminho, levar mulheres para as lideranças de
autarquias", afirma.
José Luís Carneiro,
secretário-geral adjunto socialista, considera que nestes 'concelhos de risco'
o "desafio é mais exigente" e que são precisas "pessoas com
provas dadas. Na vida profissional, na vida cívica e na vida vida política.
Pessoas com percurso feito no serviço às populações, com liderança e provas de
integridade".
Como se escolhe?
"São utilizados diversas metodologias e usados diversos instrumentos. Os
estudos de opinião são um importante instrumento. A avaliação interna, cruzada
com a opinião de pessoas e de instituições com prestígio na sociedade (...) com
um projeto credível e sustentado de desenvolvimento, construído em diálogo e
validado com as pessoas é possível garantir com tranquilidade essa
mudança".
Para o
secretário-geral adjunto do PS, a definição de concelho de risco, mesmo nestes
casos, depende de vários fatores. "Do perfil sociopolítico do município.
Da natureza do candidato. Se vem da equipa autárquica em funções ou se vem da
sociedade civil, sem ligações ao projeto político em curso. Da qualidade das
oposições. Por isso, é feita uma avaliação de cariz local e distrital. E há
casos em que a avaliação é também nacional".
Jorge Cordeiro,
membro da Comissão Política e do Secretariado do PCP, resume a questão numa
frase, na crítica a uma lei que o PCP sempre contestou: "A limitação de
mandatos, imposição desproporcionada e atentatória de direitos fundamentais,
tem expressão em três municípios de gestão CDU (Mora, Setúbal e Alpiarça).
Nestes concelhos, como noutros no mandato anterior, serão asseguradas
candidaturas que dão garantia de prosseguir o trabalho e a obra da CDU que tem
sido confirmado com o apoio da população".
"Os direitos
políticos podem e devem ser exercidos, independentemente das restrições
impostas por limitação de mandatos. Assim foi com candidatos da CDU em 2013 e
agora em 2021", assegura.
Francisco Tavares,
secretário-geral do CDS, partido que tem somente uma câmara nesta situação,
admite que se "cria um problema ao partido no poder porque é uma
oportunidade para a oposição apostar no enfraquecimento de quem está".
"Se a proposta
aos eleitores não for a da continuidade cria-se um problema sério. Daí a
sucessão ter de ser preparada com tempo, pelo menos um ano. Mas há sempre uma
vantagem, a de a população estar satisfeita com o trabalho do partido e desejar
a continuidade", afirma.
E Ponte de Lima?
"Se me pergunta se o Victor Fernandes continuaria a ser um excelente
presidente? Claro que sim. Tem feito um ótimo trabalho. Mas vamos perder o
rumo, ficar sem destino? Claro que não. O Vasco Ferraz [candidato que era
vereador na câmara] é um homem conhecido e reconhecido. A nossa aposta é
claramente no prosseguimento do trabalho feito".
"É uma questão
com duas faces, como se fosse uma moeda, temos sempre que olhar para esta
questão de dois prismas: a de estar na oposição e no poder. E o resultado? Os
eleitores decidem, é a democracia a funcionar", afirma.
Teresa Ruel,
professora de Ciência Política no ISCSP-UL, considera que "intuitivamente
faz sentido este alerta - o dos concelhos em risco - do ponto de vista
eleitoral dos partidos, até porque com leituras próximas, estudos de opinião,
acabam por ter uma visão mais fina da realidade local".
Filipe Teles,
professor de Ciência Política na Universidade de Aveiro, percebe a
"expressão feliz, mas interna dos partidos" porque a lei veio travar
os "fenómenos de resiliência partidária centrados na figura do presidente
de câmara, travar os mecanismos de apoio, as redes de influência que tornavam
as eleições seguintes mais fáceis. No fundo, beneficiar do histórico".
"E
repare", diz o investigador, "no final do terceiro mandato, e isto
está estudado, as obras e inaugurações... diminuíam".
"A principal
virtude da lei foi o de impedir o domínio de um só homem. Portugal mantinha,
até 2013, uma estabilidade de partidos e eleitos no poder local. Cá foi preciso
uma lei que não existe em muitos países europeus, não há muitos com essa
limitação porque existe uma rotatividade mais natural. Os sistemas eleitorais
diferentes, menos executivos, mais deliberativos, mais geradores de coligações
e até uma cultura democrática diferente permitem uma alternância natural",
afirma.
E o que mudou
nestes anos? Teresa Ruel considera "prematuro fazer um balanço em termos
de governação, ou qualidade da governação local pela introdução de uma barreira
legal de limitação de mandato do presidente de câmara. Sabemos que em 2013, 160
presidentes de câmara no exercício do poder, ficaram impedidos de concorrer a
novo mandato. Nestes 160 municípios [foram 41 em 2017], outros atores políticos
ganharam a posição cimeira autárquica, mas isto per se não nos diz que são
efetivamente "novos políticos" (podem ser vice-presidentes,
vereadores ou pessoal partidário das estruturas locais), que deram continuidade
à governação existente, pela substituição do presidente de câmara".
Uma coisa é o
objetivo da lei, outra é o resultado da sua aplicação. "A ideia da lei é
efetivamente desfossilizar o exercício de cargos públicos, permitir a renovação
das elites políticas locais, e a partir daí garantir um refrescar de equipas,
projetos, visões e perspetivas para os territórios e respetivas populações,
independentemente dos partidos políticos", mas não é sequer
"evidente" que a lei tenha permitido, de facto, criar uma alternância
significativa de cores partidárias. Ir para o concelho vizinho ou mudar de
partido são escapatórias comuns.
"Existiram
algumas dinâmicas no território, por exemplo, titulares do poder político num
determinado município em limitação de mandatos, que concorreram no município ao
lado (porque a lei limita apenas o mandato no município em que exercício o
poder à data de 2013), ou municípios onde o candidato alterou o partido pelo o
qual concorria", recorda.
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