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quinta-feira, 18 de março de 2021

Sessenta anos ... uma vida!

Estou a pensar num facto que se passou faz hoje ... sessenta anos ! O que se passou? A partida não anunciada (antes pelo contrário) para ... Angola, pelo meu irmão João Belo.~

Já ele protestava por camaradas seus terem passado à "peluda" - em 61, 24 meses de tropa era obra. Uma época em que se projectava o futuro, procura de emprego, o casamento a seguir, constituir família. Porém ( há sempre um porém ...) nesse bem molhado dia16,- havia temporal- chegou a ordem implacável: receber fardamento novo(camuflado) as divisas de furriel e demais trouxa, inerente ao que iam (sem saber para onde!) e, um sem número de perguntas sem respostas !!!

Inquietação permanente: como vou avisar a família, o resto da roupa civil para onde as envio; enfim, uma lufa-lufa terrível, as horas a passar, tentativas frustadas para ligar para casa, pois o temporal havia derrubado postes dos telefones, as ligações eram feitas através de telefonistas - Lisboa- Beja - Mértola- Era um martelo a bater na cabeça constantemente. Ele e os outros. Mas vamos para onde? O que lhe restava da roupa e outros pertences entregou-os a um colega que tinha escapado na primeira " leva ", para enviar a mala para Mértola. Nem o meu irmão sonhava o " terramoto" que iria causar (sem qualquer intenção) a chegada da mala e a chave dentro de um envelope !!! Ausência total de contactos e notícias .

Já noite foram levados para o aeroporto, foram conduzidos ao Super Constellation da TAP e ... andor! Para onde? Silêncio total. Só soube para onde ia quando aterraram na ilha do Sal - Cabo Verde ... para reabastecimento. Para onde mais uma vez? Resposta: para Angola !!! Rebentou a guerra no norte de Angola. Do aeroporto conseguiu enviar um telegrama, que só chegou no dia seguinte, dadas as condições atmosféricas, a informar para onde ia.

Quanto à reacção na minha casa foi esta: a minha mãe ao ver a chave dentro de um envelope pensou que fosse de um ... caixão. Agarrada à chave chorava loucamente. O telegrama chegou, mas pouco a aliviou. Enfim. Só quem passou. Não se esqueçam: faz hoje sessenta anos!!! Os tempos eram outros.

As notícias dos primeiros meses e seguintes eram pintadas de vermelho do sangue derramado. As mortes selváticas eram uma constante. E fico-me por aqui para não ferir suscetibilidades. E mais não relato em pormenores porque foi muito violento. Para todos. Quem esteve com ele foi o Fernando, filho do Tio Manuel Jacinto, do Ledo. Irmão do António Manuel, marido da Maria do Carmo e pai da Celeste, Isabel e Guadalupe. Foram e vieram com saúde. Ambos já faleceram. Sessenta anos ... uma vida!

José António Reis

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